INTRODUÇÃO
A contratura capsular é definida como uma cicatrização esférica secundária a alterações celulares e morfológicas da cápsula que envolve a prótese mamária, resultando em uma mama endurecida, distorcida e, em alguns casos, dolorosa. Muitos fatores locais estão envolvidos na sua produção, como uma resposta inflamatória exacerbada e/ou prolongada, trauma, hematoma, infecção, vazamento de silicone da prótese, entre outros fatores ainda desconhecidos1-3.
Uma vez evidenciada a contratura capsular, a mesma é estadiada em graus, que variam de I a IV4. Seu diagnóstico é eminentemente clínico, no entanto, exames de imagem como ultrassom, tomografia computadorizada e ressonância magnética podem colaborar no diagnóstico.
Algumas medidas são consideradas importantes na prevenção da contratura capsular, como uso de antibióticos sistêmicos peri-operatórios, hemostasia rigorosa, instilação na loja da prótese de esteróides ou antibióticos, emprego de próteses texturizadas, implantação da prótese em plano subpeitoral, dreno de sucção, massagem da mama e administração de vitamina E5.
De acordo com a gravidade da contratura e com a experiência da equipe assistente, estabelecem-se protocolos a serem utilizados no tratamento da contratura capsular, podendo estes ser cirúrgicos (capsulotomia ou capsulectomia, com reposicionamento da prótese), farmacológico (como instilação intracapsular de esteróides) ou, ainda, realizado a partir da utilização de métodos como a ultrassonografia e acupuntura, entre outros6-11.
O objetivo do presente trabalho foi elaborar um protocolo de tratamento e possível prevenção da contratura capsular, a ser utilizado no período pós-operatório das mamoplastias de aumento.
MÉTODO
O presente estudo foi desenvolvido pelo Serviço de Cirurgia Plástica Oswaldo Cruz (SCPOC) e pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Ensino (IBRAPE), entre janeiro de 2008 e dezembro de 2009. Neste período, 119 pacientes foram submetidas à mamoplastia de aumento, sendo que, em 21 casos, associou-se a mastopexia. Das pacientes operadas, 4 apresentavam contratura capsular prévia, tendo sido a inclusão primária das próteses realizada em outros serviços, e 5 evoluíram com contratura capsular após terem sido operadas no SCPOC.
Para avaliação do grau de contratura capsular foi utilizada a classificação de Baker, a qual estadia a contratura em graus variando de I a IV:
- Grau I: a mama apresenta consistência semelhante a de uma mama não operada;
- Grau II: contratura mínima – a mama encontra-se um pouco mais endurecida, quando comparada à mama normal, sendo a prótese palpável, porém não visível;
- Grau III: contratura moderada – a mama encontra-se mais endurecida, a prótese pode ser facilmente palpada e sua distorção visível;
- Grau IV: contratura grave – a mama encontra-se bem endurecida, com importante distorção de sua anatomia, sendo, ainda, dolorosa e fria.
As pacientes com contratura capsular Baker II foram submetidas a tratamento clínico, a partir da associação de microcorrente (MENS), ultrassom (US) e drenagem linfática manual (DLM).
A MENS foi utilizada na função de normalização, consistindo em ondas suaves, com correntes de intensidade em torno de 40 mA e frequências variando entre 0,3 a 0,7 Hz. A MENS é capaz de promover a otimização da fisiologia celular, proporcionando maior oferta de ATP à mitocôndria, além de estimular o incremento da microcirculação.
O US, na potência de 0,8 a 1,2 W/cm2, em modo pulsado (50%), foi utilizado durante 20 minutos, sendo 10 minutos em cada mama (5 minutos em cada quadrante), devido a suas propriedades fibrinolíticas, colaborando para o relaxamento da cápsula em formação.
Após a aplicação da MENS e do US, as pacientes foram submetidas a DLM com a intenção de promover a mobilização de líquidos e consequente redução do edema, além de contribuir na melhoria da circulação local. Na DLM, todo o contingente linfático foi direcionado para os linfonodos axilares, claviculares e para-esternais, de forma lenta e rítmica. As manobras foram realizadas simultaneamente em ambas as mamas, evitando manipulação da prótese nos primeiros dias de pós-operatório. Foi utilizado creme ou óleo mineral para melhor deslizamento das manobras, evitando-se, assim, a tração da pele, principalmente próximo às suturas. A DLM, além de aumentar a reabsorção do edema, é um método relaxante e confortável.
Este protocolo foi realizado 2 vezes por semana até a redução da contratura de Baker II para I, sendo, então, iniciado programa de manutenção, com repetições do protocolo a cada 15 dias, por até 3 meses após a redução da contratura.
Nos casos de contratura grau III e IV de Baker, optou-se pela troca da prótese mamária, com reposicionamento da mesma no plano submuscular, associada à capsulotomia ou a capsulectomia, quando necessário. No 3º dia de pós-operatório, estas pacientes iniciaram o tratamento clínico, com a associação da MENS/US/DLM ao uso via oral do Zafirlucaste (Accolate, AstraZeneca), na dose de 20 mg, de 12/12 horas, por um período de 90 dias. A MENS/US/DLM foi realizada 2 vezes por semana nos primeiros 30 dias, sendo após isso, iniciado protocolo de manutenção, com sessões a cada 15 dias até o 3º mês de pós-operatório.
RESULTADOS
No período de janeiro de 2008 a dezembro de 2009, 119 pacientes foram submetidas a mamoplastia de aumento no Serviço de Cirurgia Plástica Oswaldo Cruz-SCPOC / Instituto Brasileiro de Pesquisa e Ensino-IBRAPE.
Em 21 dos 119 casos operados, o que equivale a 18% das cirurgias realizadas, associou-se à inclusão da prótese mamária a mastopexia. As cicatrizes resultantes da mastopexia foram em 7 (6%) casos periareolar, em 4 (3%) periareolar + vertical e em 10 (8%) em “T” ou mini “T” invertido.
A via de acesso preferencial para inclusão da prótese foi o sulco inframamário (80% casos). A via periareolar foi utilizada em 17% dos casos e a axilar em 3% das pacientes operadas.
Em 76% das pacientes submetidas a cirurgia (91 casos), a prótese mamária foi implantada no plano subglandular e, em 24% dos casos, no plano submuscular.
As próteses utilizadas, na sua totalidade, foram próteses de gel coesivo, redondas, de perfil alto, texturizadas, com volume médio de 280cc (220-375).
As cirurgias foram todas realizadas em ambiente hospitalar, sendo utilizada como técnica anestésica sedação associada à peridural.
Das 119 pacientes operadas, 4 (3%) apresentavam contratura capsular prévia, tendo sido a prótese primária implantada em outros serviços, e 5 (4%) evoluíram com contratura capsular após terem prótese mamária implantada no Serviço de Cirurgia Plástica Oswaldo Cruz. Dos 9 casos de contratura capsular, 3 foram classificados como Baker II, 5 como Baker III e 1 como Baker IV (Figura 1).
Figura 1 – A: Paciente no pré-operatório com contratura Baker IV; B: Aspecto pós-operatório após tratamento (cirurgia e tratamento clínico), retornando a Baker I.
As pacientes com contratura Baker II foram submetidas apenas ao tratamento clínico, sem o uso do zafirlucaste, e as pacientes com contratura Baker III (Figura 2) e IV tiveram suas próteses substituídas, sendo posteriormente submetidas ao tratamento clínico associado o uso do zafirlucaste. Oito (89%) das pacientes tratadas evoluíram com resolução completa da contratura, retornando a Baker I e 1 (11%) paciente apresentou redução do grau de contratura, passando de Baker III para Baker II, mesmo após ter sido submetida a troca da prótese mamária.
Figura 2 – Paciente no pré-operatório com contratura Baker III (A) e após tratamento (cirurgia + tratamento clínico), retornando a Baker I (B).
As pacientes foram seguidas em média durante 11,2 meses (3 a 18 meses). Nenhuma paciente apresentou efeitos colaterais ao tratamento clínico ou complicações após o procedimento cirúrgico.
DISCUSSÃO
A contratura capsular é a complicação mais comum na mamoplastia de aumento, com incidência variando entre 0,5 e 30%12. No presente trabalho, encontramos uma incidência de contratura capsular de 4%, a qual está em concordância com a literatura.
A causa da contratura capsular parece ser multifatorial, no entanto, acredita-se que os principais fatores envolvidos sejam o incremento do processo inflamatório, infecções subclínicas e a proliferação celular aumentada, associada à presença de miofibroblastos1,3.
Os miofibroblastos são células especializadas, derivadas dos fibroblastos, pericitos, células musculares lisas e de algumas células do estroma, que apresentam características contráteis. Os três elementos essenciais que definem o miofibroblasto são: a presença de fibras de estresse (α#-actina), sítio de ligação estroma-célula bem desenvolvidos (fibronexus) e junções comunicantes e intercelulares bem definidas13,14. Acredita-se que, na contratura capsular, ocorra um aumento na atividade dos miofibroblastos, presentes nas paredes da cápsula, favorecendo, desta maneira, a instalação e progressão da contratura.
Tendo-se o conhecimento das principais causas envolvidas na patogênese da contratura capsular, a elaboração de protocolos que possam prevenir e tratar a contratura capsular são de grande importância.
A MENS consiste em um estímulo elétrico subsensorial, capaz de promover a otimização da fisiologia celular, proporcionando maior oferta de ATP (adenosina trifosfato) à mitocôndria, além de estimular incremento da microcirculação (neoangiogenese), redução do edema e equilíbrio na produção da matriz extracelular. É possível que, sua aplicação junto à cápsula, proporcione condições para a formação de um tecido de granulação mais eutrófico, com menor tendência de hipertrofia (espessamento) e contração.
O US, utilizado no modo pulsado, atua reduzindo o nível de células inflamatórias e a proliferação de fibroblastos, além de exercer importante efeito fibrinolítico. Sua aplicação, desta maneira, acaba por proporcionar condições para a formação de uma cápsula mais relaxada, de menor espessura e capacidade de contração.
A DLM promove o descongestionamento dos gânglios das cadeias axilar, mamária interna e subclavicular, que recolhem a linfa dos vasos peitorais anteriores. A DLM, além de reduzir o edema, aumenta a circulação arterial e, consequentemente, a pressão parcial de oxigênio, proporcionando, desta maneira, condições para a ocorrência de uma cicatrização não patológica.
O real mecanismo de ação dos antagonistas dos receptores de leucotrienos (Zafirlucaste) na redução e prevenção da contratura capsular ainda não está totalmente estabelecido, porém, existem evidências clínicas da melhora da contratura capsular com o seu uso8,9. Sua eficácia parece estar atribuída à inibição dos leucotrienos (LTC4, LTD4 e LTE4) e provável efeito supressor sobre fibroblastos e miofibroblastos4. O zafirlucaste é, geralmente, bem tolerado, entre os efeitos colaterais possíveis estão dor de cabeça, náusea e, raramente, hepatopatias10,11.
Muitos autores têm descrito menores incidências de contratura capsular após a implantação da prótese em plano submuscular. Nos casos de contratura, o reposicionamento da prótese para o plano subpeitoral, associado à capsulotomia e, nos casos em que a cápsula se encontra muito espessada, deformando de maneira significativa a anatomia mamária, associado à capsulectomia, tem colaborado na redução das recidivas.
A associação da MENS com o US e a DLM, como proposta no presente trabalho, tem-se mostrado eficaz no tratamento da contratura Baker II. Nos casos de contratura Baker III e IV, a opção tem sido a troca da prótese, com reposicionamento para o plano submuscular, com posterior realização da MENS, do US e da DLM, iniciados no 3º dia de pós-operatório. A estes casos, a associação do uso via oral do zafirlucaste tem proporcionado importante efeito sinérgico.
Os bons resultados obtidos com o protocolo proposto, encorajou-nos a utilizar a associação MENS/US/DLM de maneira preventiva em todas pacientes submetidas ao implante de prótese de silicone, a partir do 3º dia de pós-operatório. Após o início do protocolo preventivo, há cerca de 6 meses, não observamos mais nenhum caso de contratura, o que em muito tem estimulado a continuação do trabalho.
CONCLUSÃO
Por ser a contratura capsular a complicação mais frequente nas mamoplastias de aumento, gerando importante grau de insatisfação ao paciente e ao médico assistente, a prevenção e tratamento desta afecção cicatricial tem sido motivo de frequentes discussões e pesquisas.
A associação da MENS ao US e à DLM tem se mostrado como importante ferramenta na prevenção da contratura capsular, após a implantação de prótese mamária. Esta associação, complementada pelo reposicionamento da prótese no plano submuscular e pela utilização do zafirlucaste, nos casos de contratura capsular Baker III e IV, tem sido determinante no tratamento da contratura.
É extremamente importante, em uma programação cirúrgica, a participação ativa de uma equipe multidisciplinar formada por esteticistas, fisioterapeutas e médicos especializados, no pré e pós-operatório das pacientes a serem submetidas ao implante de próteses de silicone, favorecendo, assim, a obtenção de melhores resultados, livres de complicações.
Autores: Marco Aurélio Guidugli dos Santos1, Ricardo Frota Boggio2, Adolfo Ribeiro Carlucci2, Elisa Motoka3, Aulus de Mendonça Albano4
Descritores: Mamoplastia. Contratura capsular. Ultra-som. Drenagem linfática manual.
Artigo submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Fonte: Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
Revista Brasileira de Cirurgia Plástica